Desde a queda do regime de Bashar al-Assad, a Síria enfrenta um novo inimigo: a desinformação. Espalhada pelas redes sociais, essa avalanche de informações falsas ou enganosas ameaça empurrar o país de volta ao caos da guerra civil. O fenômeno não é acidental, mas resultado de uma disputa pelo controle da narrativa política, envolvendo tanto atores internos quanto potências estrangeiras.
O Papel da Desinformação na Nova Síria
Com o fim de uma brutal dinastia que durou 54 anos, a Organização pela Libertação do Levante (HTS) assumiu o controle de parte significativa da Síria. Embora tenha se distanciado de antigos vínculos com grupos extremistas como a Al-Qaeda, a nova liderança enfrenta desconfiança. O medo de retaliações e imposição de uma política islamista rígida persiste, especialmente entre minorias religiosas como os alauitas, grupo ao qual a família Assad pertence.
Porém, relatos sobre perseguições religiosas ou justiçamentos promovidos pelo HTS ainda carecem de comprovação. Segundo Zouhir Al-Shimale, gerente de comunicação da Verify-Sy, muitas dessas histórias são enganosas ou totalmente fabricadas. “Anos de revolução e guerra civil deixaram feridas profundas. Agora, várias facções usam a desinformação como arma para deslegitimar rivais e fortalecer suas posições”, explica ele.
Casos de Desinformação: Árvore de Natal e Escravidão
Dois exemplos ilustram a manipulação informativa: em 2023, circulou a falsa notícia de que o governo de transição sírio havia derrubado árvores de Natal em Karbala – cidade no Iraque, sem qualquer ligação com os novos governantes sírios. Outra desinformação amplamente divulgada dizia respeito a mercados de escravas na Síria, uma notícia que remonta a 2013, muito antes da queda de Assad.
Esses exemplos reforçam o alerta de que cidadãos comuns, por desconhecimento, acabam reproduzindo postagens falsas, amplificando o caos informacional.
A Influência de Potências Estrangeiras
O vácuo de poder na Síria atraiu o interesse de diversos países, como Rússia e Irã. Ambos foram aliados do regime de Assad e, segundo especialistas, continuam desempenhando um papel crucial na disseminação de desinformação.
O pesquisador Marcos Sebares Jimenez-Blanco, do German Marshall Fund, destaca que o “aparato de manipulação de informações da Rússia e do Irã tem operado a plena capacidade”, visando moldar a percepção global sobre a Síria para compensar suas derrotas militares e estratégicas.
Grupos de monitoramento de direitos humanos identificaram páginas falsas nas redes sociais que buscam incitar o medo entre alauitas, incentivando-os a se unirem a uma resistência armada. Essas táticas exploram o medo e a incerteza da população síria, especialmente após anos de controle propagandístico pelo regime Assad.
O Papel de Grupos Ocidentais e Islamofóbicos
Outro agravante é a amplificação da desinformação por grupos islamofóbicos e anti-imigração nos EUA e na Europa. Esses grupos compartilham conteúdos que rotulam a Síria como “Jihadistão” e associam a liderança rebelde a terroristas decapitadores. Além disso, alguns nacionalistas turcos usam a situação para atacar os curdos sírios.
Essa convergência de agendas distintas cria um caldo tóxico que dificulta a estabilização do país. A desinformação fortalece a imagem de uma Síria incapaz de se governar, prejudicando qualquer esforço de reconstrução.
Impacto na Paz e na Comunidade Internacional
A desinformação não apenas prejudica a percepção interna, mas também influencia o apoio internacional. Por exemplo, um vídeo recente mostrando a suposta profanação de um santuário alauita levou milhares de pessoas a protestarem. Checagens posteriores revelaram que o vídeo era falso.
Rana Ali Adeeb, pesquisadora da Universidade Concordia, alerta que “a manipulação emocional das notícias falsas é especialmente perigosa em momentos de transição”. Segundo ela, o contágio emocional pode desencadear reações violentas e comprometer qualquer tentativa de paz duradoura.
Al-Shimale reforça que a desinformação, se não combatida, pode solidificar a narrativa de uma Síria ingovernável. Isso enfraquece a confiança da comunidade internacional e reforça a percepção de que o país está condenado ao caos.
O combate à desinformação deve ser prioridade para garantir a estabilidade da Síria. Organizações de checagem de fatos desempenham um papel crucial, mas é necessário um esforço conjunto que envolva tanto a sociedade civil quanto governos. Em um momento tão frágil, cada informação tem o potencial de moldar decisões políticas, influenciar a opinião pública e determinar o futuro da Síria.
A guerra informacional é uma realidade, e sua arma mais poderosa é a mentira. O que está em jogo agora não é apenas o controle territorial, mas o controle da narrativa – uma batalha que, se vencida pelos desinformadores, pode arrastar a Síria de volta ao abismo da guerra civil.
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